Após Cecil terminar de comentar se o que acontecera com a esposa e o Fantasma seria contado aos futuros filhos, Virginia ficou envergonhada, pois sabia que havia prometido ao Sir. Simon que jamais contaria a ninguém o que houve. E sem perceber, ela devaneou em seus pensamentos relembrando todo o caso.
Depois da parede secreta do outro lado da sala de estar da casa, havia uma porta que dava para um lindo jardim com flores, arbustos, árvores e, no centro, um pequeno chafariz.
Então, enquanto o fantasma e a Virginia se escondiam atrás de um dos arbustos e roseiras, perceberam a presença de um homem bem-vestido, de cabelo castanho e olhos azuis com uma expressão entristecida no rosto. Ele estava escorado em uma das árvores, quando uma mulher alta e de cabelo crespo surgiu do meio das folhas com postura séria. Essas pessoas tinham uma aparência transparente, como se fosse uma lembrança ou um sonho.
— Olá Sir. Simon— a mulher cumprimentou o homem— O senhor sabe que terá que se mudar, não é mesmo? Afinal, sua mulher roubou seu trono e o despachou do castelo.
— Sim, eu sei. Mas não tem nada que eu possa fazer para pegar o castelo e minha herança de volta?
— Hmmm… Deixe-me pensar… Creio que se você matá-la… Talvez consiga recuperar o trono. Mas isso não seria só cruel, como seria desonesto.
— Desonesto foi o que ela fez comigo! Traiu minha a confiança! Além de roubar meu trono, saía as escondidas com o nosso inimigo vizinho, o Rei August!
— Você não pode mudar o que já aconteceu. Até porquê, qual seria a desculpa que você daria caso o pegassem executando-a?— a mulher falava com toda a calma do mundo, ao contrário de Sir. Simon que ficava cada vez mais roxo de raiva
— Poderia dizer que ela era feia e que não sabia cozinhar.
— Isso é uma tremenda bobagem. Todos do reino sabemos que a Sra., ou melhor, agora, Rainha Eleanore é uma das moças mais belas do reino! Não foi a toa que ela o traiu com o homem mais rico da Europa inteira! E em cozinhar… ela até pode não ser boa nisso, porém era ela que caçava os veados para o seu jantar!
— Não me importo! Eu não consigo acreditar que eu dei tudo para ela, e agora, não restou nada para mim. Nem mesmo… ela!
— E o que o Anjo do Inferno vai achar a respeito disso?
— Se possível, eu vendo minha alma nessas joias preciosas— ele retirou de seu bolso um pequeno baú que continha os mais raros quartzos, jades, rubis e opalinas.
— Caso ele realmente aceite essa oferta, você sabe que quando morrer sua alma vai ficar perto destas joias, não é? Mas de fato resolverá seu problema, já que as joias foram um presente da sua ex-esposa. O senhor sabe o que se deve falar para atrair o Senhor das Trevas?
Então a mulher começou a murmurar algumas palavras, que para Virginia não faziam o menor sentido, mas, para o fantasma, eram como uma memória. Essas palavras soavam ardentes no ouvido de Sir. Simon, quando o chão começou a tremer e a abrir uma enorme fenda no meio do chafariz.
De lá saiu uma criatura horrenda de pele preta e gosmenta, olhos profundos sem expressão e com uma luz faiscante vermelha. Tinha uma boca com quase trinta centímetros e dentes afiados, além de feder a um cheiro desagradável que queimava as fossas nasais. O monstro deveria ter uns três metros de altura, sendo magro e esquelético com os ossos sobressaltados sob sua pele esfarelenta. Havia duas asas magras e ossudas perfuradas e rasgadas. Ele era tão assustador a ponto do fantasma tremer de medo ao lado de Virginia. Diferentemente das outras pessoas, o monstro não parecia ser transparente como uma lembrança ou um sonho, e sim, parecia estar ali em carne e osso. Muito mais osso do que carne.
A criatura não falava sequer uma palavra, mas respirava fundo e gemia. A mulher alta ao lado de Sir. Simon, parecia cada vez menor comparada ao monstro.
Os olhos fundos, que eram semelhantes a grandes buracos negros, piscaram duas vezes e a boca se abriu para finalmente falar.
— Quem ousa me atrapalhar em momento tão importante: Meu jogo de pôquer!
Todos ficaram paralisados com a fala do demônio. Quem poderia esperar que uma criatura do submundo jogasse pôquer?
— Eu te invoquei— a mulher de cabelos crespos se ajoelha diante do temido “Anjo do Inferno”— Queremos matar Eleanore Willians em troca da alma de Sir. Simon.
O Simon dá um passo a frente, ficando cara a cara com a besta.
— Eu prenderei minha alma nessas joias que Eleanore me deu.
O monstro com suas garras afiadas, rasgou o próprio peito e de lá pegou um contrato e uma caneta
— E o que eu ganho com isso?
— Eu serei seu eterno servo.
— Está bem. Se você assinar aqui, sua alma e as joias serão minhas e só serão libertadas quando algum bobo chorar e rezar pela sua alma podre! Essa pessoa terá que vir ao meu reino pegar as joias e fará isso com toda a sinceridade e amor do seu coração. Mas obviamente isso seria impossível. Quem seria tolo o suficiente para vir encarar o Demônio e chorar por você?
— Eu não tenho outra escolha. Além disso, acredito que em algum lugar existe alguém com bom coração para vir me salvar.
O homem entristecido, pegou a caneta da mão escamosa da fera e assinou o papel.
De repente tudo começou a se esvair. Tudo virou pó, a mulher alta com expressão séria, a terrível besta e o homem, que não era ninguém mais ninguém menos que Sir. Simon no passado, se transformaram em uma poeira que fez com que Virginia tossisse.
— Estou condenado, viu. É uma maldição.
— Você acha que eu sou essa jovem de bom coração que ficará frente a frente com o Diabo?
— Sim. É simples. Basta você ir junto comigo para o Inferno e orar por mim. Já se passaram muitos anos, e sempre quando eu tento me aproximar de alguém para pedir que me liberte deste eterno sufoco, as pessoas morrem de medo ao me olhar! Por favor, eu não aguento mais nenhum segundo neste castelo!
Virginia, confusa com tudo que estava acontecendo, pensou e decidiu tomar uma decisão:
— Está bem. Eu rezarei por você. Mas só com uma condição. Deixe minha família em paz.
O fantasma levou a menina à fenda no chafariz para as preces, e os dois desceram pelo enorme buraco até chegarem no lugar onde estava a Besta.
O local estava imundo, com fedor de carne podre e sangue escorrido pelas paredes. Havia pilhas de ossos de veados e de outros animais. E lá, em um trono, estava o Anjo do Inferno sentado.
— Quem é que veio me visitar uma hora dessas? Ora, ora, ora, se não é Sir. Simon Willians? A que devo sua “magnífica” visita?
— Como combinado, aqui está a jovem moça que chorará e rezará por mim.
De repente o monstro começa a rir.
— Qual foi a mentira que você usou desta vez para atrair a Virginia E. Otis? Disse a ela que era feia e que não sabia cozinhar? Ou prometeu alguma coisa que nunca poderá cumprir?
— Como você sabe o meu nome?— a moça perguntou assustada
— Como eu não saberia? Uma das pessoas mais doces e bondosas do “Mundo dos Vivos”. Vocês dois nem imaginam quanto eu pagaria para ter sua alma, Virginia…
— Vamos logo com isso!— o fantasma disse apressando-os
Então, sem mais delongas, a jovem se ajoelhou diante do Anjo do Inferno e implorou pedindo perdão pelos atos cometidos por Sir. Simon. As lágrimas que desceram pelo seu pescoço, escorreram até caírem no chão e evaporarem por causa do calor que fazia naquele lugar sombrio
— Uau. Não acredito que uma moça bela como você teve a coragem de vir até aqui. Okay, eu só devolverei a alma desse infeliz porque a Virginia veio rezar em seu nome, e como eu sou um homem de palavra… Aqui está o baú que contém as joias. Quando o Sir. Simon for enterrado, ele será livre e poderá comer e dormir quantas vezes ele quiser!
— Muito obrigado! Eu finalmente fui libertado! Venha ver como eu morri!
O fantasma leva, novamente, Virginia para um quarto misterioso dentro do próprio palácio. Lá havia um esqueleto acorrentado sem conseguir alcançar a água e comida.
— A Besta contou aos irmãos que eu matei Eleanore, então, como vingança, eles me acorrentaram e me deixaram morrer de fome e sede.
— Eles foram muito maldosos com o senhor!— a menina diz apavorada com a situação
— Sim, mas eu também fiz por merecer. Menti para o Anjo dos Infernos. Prometi a ele que seria seu eterno servo, e em vez disso, fui curtir minha vida como o mais novo Rei, já que Eleanore morreu.
Virginia continuou espantada com a história macabra, mas como havia prometido ela não tinha tempo a perder! Levaria o esqueleto de Sir. Simon para ser enterrado e o funeral seria realizado para que o Fantasma finalmente conseguisse descansar.
Quando a garota se deu conta, já estava relembrando os acontecimentos como se estivesse presenciando-os novamente. Ela sabia que jamais poderia contar a ninguém o que havia visto naquela tarde. E também quem acreditaria que ela conheceu o Diabo? Teria que selar sua boca eternamente… Seu marido jamais saberia. E quanto às crianças, teriam que conviver com diversos questionamentos.