Após a parede atrás deles se fechar, a caverna que até então estava mergulhada na escuridão se iluminou. Em determinados pontos nas paredes surgiram tochas com fogo. Isso confortou a jovem Virginia, que já estava assustada com todo aquele breu.
Quanto mais adentravam na caverna, mais o vento aumentava. Chegaram a um ponto em que tiveram que se segurar um no outro para não caírem. Depois de alguns minutos, que para os dois pareceram muito mais longos do que realmente foram, Virginia viu uma luz mais ao fundo da caverna. Enfim chegaram em um local que Virginia jamais tinha visto.
No passado todo aquele lugar tinha sido lindo, mas agora não. As colinas, antes verdes, agora eram cinza, e as flores que um dia já foram majestosas, estavam murchas ou mortas. Por fim, mais ao longe, corria um rio, grande e vermelho. A sua margem estavam alguns barquinhos, para os quais o Fantasma e Virginia se dirigiram.
― Este já foi um lugar bom, minha cara Virginia. Ele é como um espelho, refletindo o nosso mundo. A maldade do mundo é tanta que fez esse belo lugar se deteriorar ― disse o Fantasma, introspectivo.
Dirigiram-se então até o rio, pegaram um barco e seguiram a correnteza.
― Para onde esse barco leva? ― perguntou Virginia, apreensiva.
― Para um lugar onde os bons não se dirigem. Um lugar onde somente pessoas más vagam eternamente – respondeu-lhe o Fantasma, e vendo que a jovem não entendia onde ele queria chegar, completou, ― estamos indo ao Inferno.
Depois de algum tempo, chegaram a enormes portões de ferro, que se abriram instantaneamente. Seguiram mais adentro (ainda no barquinho, conforme a correnteza) até que o rio foi desaparecendo aos poucos, dando espaço a uma espécie de areia.
Saíram então do barquinho e se dispuseram a andar. Não muito tempo depois, começaram a ver pessoas andando. Depois de uma breve análise, a menina percebeu que sim, eram corpos, cujos olhos pareciam tão vazios, como se fossem apenas uma carcaça ambulante, sem alma para preencher. Todos pareciam nem ligar para a presença dos dois, o que foi meio estranho de início.
Mais à frente, viram uma montanha feita de ossos, e lá no alto, um trono enorme. Era feito com troncos secos e retorcidos, espinhos na base. O encosto e o assento eram cobertos por um couro grosso, de algum animal que nenhum dos dois jamais tinha visto. Embora macabro e assustador, emanava poder.
Enquanto olhavam perplexos para o trono, um anjo enorme apareceu. Tinha asas excepcionais, pretas e profundas como a noite, ou o breu. Era fácil de se perder no esplendor delas. Usava uma túnica, preta e brilhante, mas não como se tivesse brilhos, mas sim como se refletisse a luz que batia nele.
― Acredito que você seja Virginia ― disse olhando para a menina com um leve sorriso no rosto, ― e você, Sir Simon, já o esperávamos há tempo.
Depois de uma breve conversa, Virginia, que ainda não tinha se tocado de quem ele se tratava, percebeu que não era somente um simples anjo, mas sim o Anjo da Morte.
Explicou-lhe tudo o que tinha acontecido, sobre a profecia e o desejo do Fantasma de descansar em paz.
― Mas isso não depende só de você, minha cara. Sir Simon não pode deixar tudo em suas costas. Sim, você tem que chorar e rezar pelos pecados dele, mas ele tem que se arrepender. Vou enviar você para um lugar em que possas fazer o que deves, mas Sir Simon deve permanecer aqui, e pagar o preço por tudo de ruim que fez ― disse o Anjo com um sorriso malicioso para o Fantasma.
Assim que terminou de falar, Virginia desapareceu, deixando o Fantasma sozinho e amedrontado.
― Agora vamos ver o que posso fazer com você meu querido Simon. Sei que sua morte foi dolorosa, mas isso não o redime de todo mal que fez em vida, e depois dela como fantasma também.
O Anjo incumbiu o Fantasma de fazer inúmeras coisas, que ele não entedia o porquê de serem necessárias.
O que ele tinha que fazer era se arrepender realmente de todos os horrores que fez em sua vida, incluindo todos os que levaram pessoas a morte direta ou indiretamente.
Já Virgínia, depois de o Anjo terminar de falar, foi mandada para um lugar do qual ela já tinha ouvido falar, e muito. Com portões de ouro, ruas de diamantes e rubis, ela logo compreendeu para onde tinha sido enviada, para o Céu.
Lá tudo era lindo e colorido, brilhante, as pessoas andavam sorridentes, e brincavam com animais que na Terra os humanos não ousavam chegar perto. Foi então que um anjo, totalmente o contrário do outro que ela tinha visto no inferno, apareceu.
Tinha cabelos ruivos cacheados e lindos olhos violeta, com uma voz suave se apresentou:
― Olá Virginia, sou Daniel ― disse com um sorriso de orelha a orelha ― acredito que está aqui por conta de Sir Simon ― e vendo que a menina afirmou com a cabeça, completou, ― vamos até um local onde você possa fazer o que deseja.
Ele a levou até um grande salão todo feito de mármore branco com ouro. Mais ao canto da sala estava um homem, que logo a garota percebeu que não era apenas isso, era Deus, em uma forma humana.
Mesmo assim ele era majestoso, como se o poder corresse em suas veias. Era negro, alto, com algumas sardas no nariz. Tinha olhos cor de mel, e vestia um tipo de túnica amarelo claro.
A garota então se dispôs a pedir perdão pelos pecados do fantasma, rezou por ele tantas vezes, que chegou a ficar com a garganta seca. Em dado momento, não se sabe se pela comoção, ou o que, desatou a chorar e orar ao mesmo tempo.
Durante suas orações pela alma do Fantasma, não deixou de ouvir vozes, que a deixavam confusa. “Se ele quer descansar em paz, porque não faz ele mesmo”, “Ele nem deve estar arrependido, isso é uma pura falsidade”. Embora as vozes a incomodassem, ela continuou firme.
Depois de um longo tempo, terminou. Viu que Deus ainda estava na frente dela, comovido pela pureza e bondade da menina. Disse que o Fantasma estava livre para descansar em paz, e que agora ela já podia retornar de onde veio.
E mais uma vez, sem nenhuma explicação, a menina sumiu do grande salão e reapareceu no Inferno.
Logo depois de voltar ao Inferno, encontrou Sir Simon, abraçado com uma mulher que ela não tinha reconhecido. O Fantasma estava diferente, como se realmente tivesse se arrependido do que fez.
Perguntou-lhe o que ele tinha feito enquanto ela não estava ali, e ele lhe disse que pediu perdão a todos que feriu durante sua vida como humano e fantasma. Foi assim que Virginia compreendeu que a mulher com a qual Sir Simon estava abraçado era sua esposa, aquela que ele tinha matado.
Lady Eleanore de Canterville explicou a garota que ainda não tinha recebido seu devido descanso, pois precisava estar ali para que o seu marido se desculpasse. Como estava muito feliz por poder descansar em paz também, deu a Virginia uma caixinha, e disse à garota que aquilo era um presente de agradecimento por tudo que a menina tinha feito. Foi então que a garota entendeu que seu trabalho tinha sido feito, e que já era hora de voltar para casa.
Mas antes disso, o homem, que agora já não era mais um fantasma, agradeceu a garota por tudo que ela tinha feito, por sua doçura e pureza, e por ter-lhe dado aquele inestimável presente que era enfim poder descansar.
Virginia abraçou os dois e se despediu, com lágrimas nos olhos.
Foi então que se abriu um portal, por onde passou e ao fim, chegou a sua casa. Ouviu um estrondo alto, como o barulho de um trovão, um clarão, e depois de alguns segundos, viu sua família na sala, logo abaixo da escada, ainda perplexa por vê-la.