Ontem pela manhã, acordei, tomei banho, comi, escovei meus dentes, entrei no carro do meu pai e fui, junto dele, para minha escola. Eu estava animado pois teria duas aulas de educação física naquele dia, e, como sempre, no final da aula poderia jogar bola com meu amigo, Miguel. Mesmo sendo novo na escola, já tinha me enturmado bem com os garotos da minha sala. Só tinha um menino de quem eu não gostava nem um pouco, o tal do Gabriel, um valentão enjoado que já estava brigado comigo desde o começo do ano porque eu tinha “encarado ele de mau jeito”. Aquele era o único dia da semana em que eu ficava realmente empolgado para ir para o colégio. Não ia mal nas provas, mas também não era aquele aluno exemplar. Toda aula, sempre recebia uma ameaça, nunca concretizada, de que meus pais seriam chamados para uma reunião com a diretora.
Infelizmente, antes das minhas tão aguardadas aulas de educação física, que viriam após o recreio, teria de suportar a pior aula da semana: filosofia. Odiava aquela matéria, a professora, tudo! Era apenas um blá-blá-blá sem fim sobre os pensamentos de uns homens que já morreram há muito tempo. Para que é que eu vou precisar saber da vida desse povo, se todo mundo já bateu as botas e virou defunto? Só se eu fosse falar com eles depois da morte, mas eu hein! Já quase não consigo aguentar esses caras durante a vida, imagina depois de morrer!
Chegou a maldita aula. A professora falou para a turma abrir a apostila no Capítulo VI e, antes de começar aquela lenga lenga, avisou que o conteúdo daquela aula cairia todinho na prova. Achei melhor prestar atenção. Mesmo que eu não gostasse, sabia que eu precisava aprender para não rodar. Ela começou a falar sobre a democracia e o seu surgimento na Grécia. Falou um bocado sobre o que era democracia, outro bocado sobre a democracia no Brasil, até que, no finalzinho da aula, falou sobre um tal de Aristóteles e leu uma frase que ele tinha dito: “A democracia surgiu quando, devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido, acreditou-se que todos fossem absolutamente iguais entre si”. Depois de ela ler isso, nem prestei atenção na explicação da frase elaborada que ela estava dando, só fiquei imaginando: como é que as pessoas podem ser absolutamente iguais?
Acabou a aula e eu fui para o recreio. Fiquei pensando sobre a frase. As pessoas são iguais? Já tinha ouvido alguma coisa parecida, que “todos somos iguais”, mas nunca tinha reparado quão estúpida é essa afirmação. Como pode um ser igual a outro, se tem um negro e um branco, um magro e um gordo, um careca e outro cabeludo, um rico e um pobre? Isso é um absurdo! Os homens que criaram a democracia deviam ser uns malucos mesmo, imagina se pode, todo mundo ser igual?! Parei para pensar mais um pouco e percebi que não é bem assim. As pessoas podem ser diferentes, mas tem muitas coisas iguais entre si. Todos são humanos e merecem respeito e dignidade, independente das diferenças. Então, pensei em algo ainda mais louco: só existe preconceito porque existem diferenças. Se todo mundo fosse igual, como é que alguém ia falar mal do outro por uma característica que os dois têm? Então, as pessoas não são iguais, mas devem respeitar-se, notar suas diferenças e agir como se fossem semelhantes, independentemente das maiores ou menores divergências, concluí, feliz por ter chegado a uma resposta tão bonita e realista.
O intervalo passou e a aula de educação física finalmente começou. Participei da aula mais do que nos outros dias, e, no final dela, faltando meia hora para dar o horário de ir para casa, pedi ao professor para que eu pudesse jogar bola com Miguel, e ele deixou. Saí correndo em direção ao Miguel, que estava de costas, e pulei em cima dele, como sempre fazia. Só então, tarde demais, percebi que era o Gabriel. Cheguei a mencionar que os dois eram gêmeos idênticos? Levei a maior surra do menino, que só era igual ao irmão em aparência física mesmo, porque de personalidade, o cara parecia um animal selvagem. Voltei para casa com o olho roxo, mas pelo menos aprendi a lição: as pessoas são diferentes, mas têm aspectos iguais, que temos sempre que respeitar para tornar o mundo um lugar melhor.